sábado, 10 de fevereiro de 2007

Babel - Uma Torre de Ótimas Vozes

"Good morning, little school girl
Can I go home with you?"
-Johnny Lang, Good Morning, Little School Girl

O filme “Babel” (2006) é um dos fortes candidatos ao Oscar de Melhor Filme este ano e não é por acaso. Todos os ingredientes que a academia busca num filme se encontram nele. Ele até mesmo lembra (vejam bem: lembra) o vencedor do ano passado, o filme “Crash – No Limite” (2004), o que, no final, pode ser um ponto positivo ou negativo. Mas o filme tem méritos próprios. A estória mantém a audiência presa com suas múltiplas linhas temporais e narrativas que acabam por se encontrar, uma a uma, de forma tênue, mas relevante. O elenco é sólido ao ponto de poder ser considerado estelar e as performances, até dos personagens mais discretos, são memoráveis. O diretor Alejandro González Iñárritu já provou o seu valor em produções anteriores, inclusive conquistando um Oscar previamente. Os locais utilizados nas filmagens são cheios de vida própria e realmente transportam a audiência. Mas, mais importante que tudo, o filme é relevante.
Assim como “Crash” tratou de um assunto extremamente delicado, porém óbvio dentro da realidade americana, “Babel” faz o mesmo e vai até um pouco além. Se o assunto da diversidade racial e cultural dentro de um único país já é assunto para o debate de alguns ramos científicos, “Babel” apresenta à audiência claramente a questão mais importante desta primeira década do novo milênio: Como conciliar culturas e vidas tão diferentes no panorama global integrado no qual vivemos hoje? Basta dizer que, se o plano for ver este filme no cinema com alguns amigos, não leve dinheiro contado para a seção. Porque vocês vão querer parar em algum lugar para conversar sobre o filme depois e um cafezinho vai ajudar.

A estória se passa em quatro locais e momentos diferentes. No Marrocos, o casal Richard e Susan Jones (Brad Pitt e Cate Blanchett) estão numa viagem turística quando uma bala atravessa o vidro do ônibus em que se encontram e acerta Susan no ombro. Presos no meio do nada, eles são forçados a se refugiar num vilarejo, onde a preconceituosa Susan passa por o que deveria ser sua visão do inferno. Longe das instalações mais apropriadas, ela é tratada por um médico sem recursos ou grandes considerações por higiene, é suturada sem anestesia e, para suportar a dor e dormir, é medicada fumando ópio.
Isto tudo ocorre sem que ninguém saiba que os responsáveis são dois jovens irmãos, Ahmed e Yussef (Said Tarchani e Boubker Ait El Caid) que ficaram encarregados por seu pai de tanger as cabras da família e usar um rifle recém adquirido para matar coiotes.
O rifle tem uma proveniência longínqua, pertencia ao executivo e caçador japonês Yasujiro (Kôji Yakusho). Yasujiro é um viúvo que vive com sua filha Chieko (Rinko Kikuchi), uma adolescente surda-muda que sofre com suas deficiências quando tenta se relacionar com o mundo e, especialmente, com o sexo oposto.
Já na casa do casal Jones, seus filhos Mike e Debbie (Elle Fanning e Nathan Gamble) ficam sob os cuidados da mexicana e imigrante ilegal Amélia (Adriana Barraza). Amélia é uma mulher extremamente carinhosa e uma ótima governanta, na qual os Jones parecem confiar plenamente. Mas com os Jones ilhados em Marrocos, sem achar outra pessoa que cuide das crianças para ela e precisando ir ao México para o casamento de seu filho, ela forçada a levar as crianças consigo. O casamento transcorre lindamente, com todo o sabor da cultura mexicana. O problema é passar pela fronteira na volta aos EUA, sendo uma trabalhadora ilegal, tendo levado menores para outro país sem a expressa autorização dois pais por escrito ou documentos que a provassem como guardiã das crianças, e pra piorar, estando num carro dirigido por seu sobrinho que está embriagado e portando uma pistola.

Mas, realmente, a estória é facilmente suplantada pelo desempenho dos atores que a representam. Brad Pitt e Cate Blanchett formam um casal na tela que é não apenas convincente, mas apaixonante. A audiência realmente quer vê-los juntos e felizes. Individualmente, o destaque é Pitt, que mais uma vez prova que seu repertório de atuação abrange todos os espectros da emoção, da ira à paixão e ao desespero.
Todos os atores mirins carregam suas cenas com seriedade e são capazes de criar momentos muito verdadeiros em suas cenas. As duas duplas formadas por Fanning e Gamble e por Tarchani e El Caid, atuam muito bem juntos, jogando sempre de um para o outro e tendo na troca suas interpretações melhoradas.
No entanto, para mim, a melhor impressão foi deixada pelas atuações do pólo japonês da estória, principalmente por Rinko Kikuchi, que recebeu a indicação para o Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante. Como a perturbada e deficiente Chieko, Kikuchi transmite claramente uma vasta miríade de emoções através de gestos, expressões e simplesmente olhares. Kôji Yakusho não fica muito atrás, deixando a audiência sempre confusa se deve prestar mais atenção no que ele diz ou no que ele transmite por suas feições e olhares. Duas atuações incrivelmente inspiradas.

Babel é um filme de transições rápidas e mudanças de cenário vertiginosas, que sempre deixam na audiência a vontade de ver mais dos personagens que acabaram de sair de cena, numa sucessão de constantes picos e vales que garantem uma experiência cinematográfica única. Se o filme é um forte candidato ao Oscar de Melhor Filme, e se Alejandro González Iñarritu tem boas chances de levar o Oscar de Melhor Diretor, as três atrizes do filme que concorrem ao Oscar de Melhor atriz Coadjuvante, Blanchett, Barraza e Kikuchi merecem cada uma o Oscar. Senão o Oscar de Melhor Atriz. Mas, se apenas uma pode levar a honra da estatueta de ouro para casa, eu espero que a Academia concorde comigo e premie o fenomenal trabalho de Kikuchi.

Um comentário:

Olavo Abilio disse...

Olá, Carlos:
É o seu tio Olavo aprovando seu texto.
Muito direto e objetivo.
Continue assim.