segunda-feira, 5 de fevereiro de 2007

Escolha para o Oscar - O Labirinto do Fauno

"Some will trie to hide himself, down inside himself..."
-Audioslave, "Be Yourself".

O texto abaixo está abrindo uma pequena série sobre aqueles que, em minha opinião, são os melhores filmes indicados pela academia para receber o Oscar este ano.

“O Labirinto do Fauno” (El Laberinto del Fauno) de Guillermo del Toro é um filme que sem dúvida merece estar entre aqueles que receberam indicações para o Oscar. Fantástico em todos os aspectos, o filme não é exatamente algo novo dentro do repertório do diretor, escritor e produtor. Mas, depois de seus últimos filmes, até parece ser e, com a ajuda de alguns velhos amigos e velhos recursos, eleva a visibilidade de del Toro como um dos mais talentosos novos diretores no Cinema mundial.

O primeiro filme que pode ser considerado grande feito por del Toro foi “Mímico” (1997), um filme de terror que, até para o diretor, foi uma decepção. O filme que ele fez em seguida, “El espinazo del Diablo” (2001), não fez muito sucesso e não são muitos que o conhecem, mas nele estavam as sementes para a criação de “O Labirinto do Fauno”. No filme, del Toro mistura elementos históricos da Guerra Civil Espanhola com o fantástico e o choque que o encontro destes dois mundos provoca na vida do jovem protagonista. Exatamente como em “O Labirinto...”. Os filmes que se seguiram tiveram mais exposição na mídia e foram dois filmes que ajudaram a plantar as sementes do movimento que levou Hollywood a voltar a fazer filmes sobre histórias em quadrinho. Enquanto “Blade II” (2002) foi um dos piores esforços de adaptação dos quadrinhos para o Cinema, também foi o mais rentável dos três filmes do personagem interpretado por Wesley Snipes (talvez o motivo da péssima adaptação fosse o fato do personagem ter um limitadíssimo material em quadrinhos e somente uma pequena legião de fãs que lutassem por uma adaptação fiel. Mesmo com três filmes passando pelo cinema, Blade só recebeu um título próprio em 2006). Já “Hellboy” (2004) foi uma adaptação muito melhor sucedida. Baseado nos quadrinhos de Mike Mignola, o filme se mantém fiel ao espírito do personagem, mesmo que a estória tenha sido alterada, muito como no filme “Homem-Aranha” de Sam Raimi. Guillermo del Toro foi capaz de usar sal paixão por monstros e pelas estórias de Mignola para criar um ambiente assustador de criaturas fantásticas, mas muito bem criadas. Uma menção especial deve ser feita à personagem Abe Sapiem, representada pelo ator Doug Jones com a voz do ator David Hyde-Pierce. Jones já havia trabalhado com del Toro em “Mímico”, onde havia emprestado sua figura esguia ao monstro daquele filme.
Jones e del Toro estão juntos novamente em “O Labirinto do Fauno”, onde mais uma vez Jones empresta a atuação física a uma personagem enquanto outro ator se encarrega da voz. Jones, que é americano, passou meses ensaiando suas falas em espanhol e inclusive nas cinco horas em que passava recebendo a fantasia e maquiagem para representar o Fauno e o Homem Pálido, dois dos personagens fantásticos do filme. No final, del Toro decidiu usar uma voz mais autoritária de um veterano ator de teatro para articular as falas da personagem. E não se pode dizer que não valeu a pena.

No filme, Ivana Baquero, uma jovem atriz espanhola de apenas 12 anos, representa Ofélia, uma menina imaginativa que adora contos de fadas, filha de um alfaiate que morre na Guerra Civil e de Carmen (Adriadna Gill), uma mulher simples que se casa com um dos clientes de seu falecido marido, o Capitão Vidal (Sergi López), das forças de Francisco Franco. Ofélia e Carmen, que está nos últimos estágios de uma complicada gravidez, começam o filme viajando para se encontrar com o Capitão num dos muitos campos de batalha onde milícias ainda resistem à ascensão do regime fascista.
Lá, Ofélia se depara com uma situação extremamente difícil. O Capitão é um homem duro e cruel, cujos únicos interesses são matar o inimigo e ver nascer seu filho varão. Com a piora da saúde de sua mãe, Ofélia passa cada vez mais tempo sozinha. Uma noite, ela é visitada por um estranho inseto que se revela uma fada e a leva até um labirinto antigo na floresta próxima ao acampamento. No centro do labirinto ela encontra o Fauno, que conta a ela que ela é uma princesa a muito perdida, filha do Rei do Submundo, o mundo das fadas. A partir daí Ofélia tem que cumprir três tarefas para provar que é realmente a princesa e ainda tem que cuidar da mãe doente e evitar a ira do Capitão Vidal enquanto agentes infiltrados da resistência dentro da própria casa do Capitão tentam derrubá-lo.

Separados, os dois mundos do filme, o real e o fantástico, contam estórias relativamente simples. No mundo real, a preocupação é com o sofrimento e a luta contra um regime opressor. Quando há elementos fantásticos, é um conto de fadas sobre uma menina que enfrenta desafios terríveis para se juntar à sua família e assumir seu lugar de direito.
Juntos, um complementa o outro de forma envolvente, o mundo real emprestando ao fantástico seu sentido de urgência e de perigo, o fantástico dando ao real a mágica necessária para dar a estória sua proporção épica.
Graças ao fato de sabermos estar vendo um conto de fadas, que automaticamente associamos com estórias para crianças, podemos ficar chocados com a violência desmedida e realística do filme. Soldados, rebeldes e camponeses morrem e todo o sangue, todas as feridas e marcas de brutalidade são mostrados. É como se o diretor dissesse: “Sabe aquela parte na estória ‘Chapeuzinho Vermelho’ em que o lobo mau come a vovozinha? O sangue da pobre velhinha era ASSIM e as entranhas dela provavelmente pareciam com ISTO!”. O principal beneficiário é o Capitão Vidal, que em cenas como na qual ele esmaga o rosto de um camponês e depois executa a ele e a seu pai e na cena em que ele costura, sem anestésicos, um corte em seu rosto, ganha proporções fantásticas como um vilão digno de um conto de fadas.
E graças ao fato do filme ser ambientado no mundo real, as personagens fantásticas ganham dimensões reais e estória se torna realmente poética. Principalmente o final do filme ganha um ar dramático clássico que lembra muito o teatro “Shakespeareano”.

A cinematografia do filme também é ótima e del Toro esbanja na repetição de truques de câmera que não são cansativos, funcionam muito bem e permitem até algumas surpresas. O mais facilmente identificável é o uso de elementos do cenário para transição de cenas (numa hora, Ofélia está começando a andar morro acima em direção à câmera, mas após passar por trás de uma árvore, ela já aparece de costas para a câmera, no topo do morro). Este truque ajuda em muito da velocidade do filme e, de alguma forma, simula com exatidão o passar do tempo em narrativas de ficção como contos de fadas. O uso de luzes é extremamente bem articulado e os cenários são belíssimos, tanto quando são espaços fechados quanto quando são espaços abertos. Todos se encaixam muito bem com a atmosfera do filme.
As atuações são inspiradas do começo ao fim, passando por todos os personagens. O elenco, que muitos executivos no estúdio achavam preocupante, é capaz de contar a estória e prender a audiência com eficiência e graça. A pequena Ivana Baquero é perfeita para o seu papel e possui uma presença de tela incomum em atores da sua idade. Sergi López faz de seu Capitão Vidal um vilão saído dos piores pesadelos tanto de crianças pequenas quanto de veteranos de guerra. Seu rosto parece ser esculpido de pedra na sua rigidez e as poucas emoções que ela parece capaz de exprimir são o ódio, o profundo descaso e uma selvageria quase animais. E, deste pequeno leque de possibilidades, López faz o melhor e traz cada qual à tona com intensidade, precisão e pontualidade. Ariadna Gill faz bem o papel de mãe e é capaz de apresentar seus diálogos com toda a emoção e com todo o desespero que a parte demanda. Mas, como o papel exigiu mais tempo dela comatosa numa cama do que em diálogos ou ação, pouco foi mostrado que pudesse realmente exigir uma demonstração grandiosa de talento. Maribel Verdú, no papel da empregada e também espiã da resistência Mercedes, é talvez o maior destaque do filme. Geralmente atuando em papéis de musa e de mulher fogosa, Verdú aparece aqui como uma mulher angustiada, mas capaz de agir com candura e piedade, virando quase que uma segunda mãe para Ofélia, mas também capaz de determinação ferrenha e nervos de aço. Seus diálogos são cheios de uma simetria belíssima e nenhuma cena na qual ela aparece é perdida. Sua presença na tela é poderosa e sua influência em todas as personagens é notável. Para aqueles que ainda não viram o filme, eu garanto: Ela é a personagem a ser observada no filme. Alex Ângulo faz o papel do médico Dr. Ferreiro de forma competente e convincente, como um homem de paz fazendo o que pode em meio à guerra. Talvez a atuação mais fraca do filme seja a do ator Roger Casamajor que faz o papel de Pedro, o líder da resistência, mas ele não aparece o suficiente para ser relevante.
Mas, mais uma vez, a atuação física de Doug Jones rouba a cena. Seja como o Fauno ou o como o monstruoso Homem Pálido, seus movimentos e maneirismos dão o aspecto surreal às personagens e, através da pesada maquiagem e máscara do Fauno, suas expressões são uma inestimável colaboração para o filme. Jones já está marcado para aparecer mais uma vez no cinema num grande filme este ano, em “Quarteto Fantástico 2: A Ascensão do Surfista Prateado”, como o Surfista Prateado, o arauto de uma criatura cósmica gigantesca conhecida como Galactus, o devorador de planetas.

“O Labirinto do Fauno” é um excelente filme, com uma história cheia de mágica e do inesperado, com um final emocionante, grandes interpretações, bela fotografia e ótima produção e direção. Sem dúvida, é o meu favorito na corrida pelo Oscar de melhor filme estrangeiro.

Um comentário:

Olavo Abilio disse...

Bela descrição do filme.
Assim, não preciso nem assisti-lo.
Muito realista.